Celso de Mello deixa o Supremo para entrar na história

Celso de Mello deixa o Supremo para entrar na história

Foram quase 32 anos inteiramente dedicados ao Supremo Tribunal Federal. Nessas mais de três décadas, ele proferiu milhares de decisões – todas elas fundamentadas sempre na letra da Constituição Federal de 1988, marco primeiro e último que deve orientar as sentenças da Suprema Corte. Ao longo de sua longa e profícua trajetória, o ministro Celso de Mello conquistou a atenção de seus pares e o respeito de todo o país, graças a um conjunto de qualidades: o conhecimento jurídico, o compromisso ético com a Justiça, o respeito inabalável às liberdades democráticas e ao princípio da separação dos poderes, a abertura às demandas libertárias da sociedade e a inarredável obediência à Lei Maior do país.

Aos 74 anos, o decano do STF, conhecido por muitos como “Doutor Constituição”, aposenta-se nesta terça-feira, 13 de outubro de 2020. Deixa o Supremo para entrar na história. O seu legado não será esquecido. São milhares de páginas que constituirão agora um rico acervo com o que há de melhor na Justiça brasileira.

Paulista de Tatuí, José Celso de Mello Filho era integrante do Ministério Público do Estado de São Paulo quando foi indicado pelo então presidente José Sarney (1985-1990) para assumir uma das cadeiras do STF, em agosto de 1989. À época, a atual Constituição Federal mal havia completado um ano de existência – uma vez que foi promulgada em outubro do ano anterior.

Ainda assim, Celso de Mello adotou um posicionamento rigoroso quanto a basear seu trabalho na então recente Carta Magna. Interesses políticos e manifestações da opinião pública não afetavam seus julgamentos. Manteve a postura quando foi presidente daquela Corte, entre 1997 e 1999, tendo sido o mais jovem ministro a presidir a Casa.

Ao longo de sua trajetória, o ministro Celso de Mello manifestou-se em favor da proteção às liberdades e aos direitos fundamentais dos cidadãos, especialmente das minorias. Exemplo disso foi quando, em 2011, ele, apoiando-se na Constituição Federal, votou a favor do reconhecimento da união homoafetiva estável como entidade familiar. A decisão da Suprema Corte, unânime, estendeu aos casais homossexuais direitos civis antes restritos apenas a heterossexuais.

Anos antes, em 2003, votou pelo enquadramento do antissemitismo – o ódio aos judeus – como crime, tal como o racismo. Essa mesma decisão fundamentou seu voto como relator na ação que abordou a criminalização das práticas de homofobia e da transfobia, em 2019. Na ocasião, o STF decidiu que tais práticas deveriam ser enquadradas na Lei do Racismo até que o Congresso edite lei própria sobre o assunto.

Celso de Mello marcou presença no debate de outros temas de grande relevância social. Como em 2015, quando defendeu o ensino inclusivo obrigatório para crianças com deficiências. Como em 2018, quando foi favorável a que pessoas transsexuais tivessem o direito de alterar seus registros civis sem que precisassem provar terem feito cirurgia de redesignação sexual.

Outra importante mudança que teve a contribuição de Celso de Mello aconteceu em 2009, quando o Supremo Tribunal Federal revogou a Lei de Imprensa por considerá-la incompatível com a Constituição Federal de 1988. A Lei de Imprensa autorizava a detenção de jornalistas que “atentassem à moral e aos bons costumes”, além da aplicação de multas aos veículos de comunicação. E Celso de Mello foi um dos 7 ministros que votaram pela revogação de tal Lei.

É preciso lembrar também que a coragem foi sempre companheira inseparável do ministro que agora deixa o Supremo. Fosse quem fosse quem estivesse à frente de qualquer um dos Poderes, Celso de Mello não titubeava, não esmorecia, não esboçava a menor dúvida quanto a manter o comportamento desse agente público nos limites estabelecidos pela Constituição Federal. “Ninguém é superior à Constituição”, repetia o ministro. “Todos são iguais perante a Lei”.

Homens como Celso de Mello nos fazem acreditar sempre na Justiça, nos fazem confiar no Poder Judiciário como meio de resolução de conflitos, nos fazem acolher as demandas de nossos clientes e apresentá-las ao escrutínio da Justiça e, em última instância, ao Supremo Tribunal Federal, como já tivemos a oportunidade de fazer no passado. Graças também à trajetória desse eminente homem público, a Advocacia teve a sua atuação fortalecida nas últimas décadas.

A Celso de Mello, que tanto honrou e dignificou a Justiça em nosso país, deixamos o nosso agradecimento eterno.

 

Antônio Roberto Sandoval Filho

Presidente da Comissão Especial de Assuntos Relativos aos Precatórios Judiciais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB SP)


(Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF)

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