Poder Judiciário celebra seu bicentenário
O Brasil celebrou no dia 10 de maio o bicentenário de seu Poder Judiciário. Artigo publicado no Jornal O Estado de S. Paulo aborda o tema. O texto destaca a importância da magistratura no país e aborda as mudanças ocorridas no Judiciário. Leia aqui o artigo na íntegra.
O bicentenário do Poder Judiciário
Arnoldo Wald e Ives Gandra Martins
O Brasil festeja hoje, 10 de maio de 2007, o bicentenário de seu Poder Judiciário, que data da época colonial. É uma comemoração justa e merecida em virtude do papel histórico que a magistratura tem exercido em nosso país, caracterizando-se pela sua independência, pela sua coragem cívica e pela seriedade e dedicação dos seus integrantes. Não se pode escrever a história do direito pátrio sem referência à importância que nela desempenharam tanto as instituições – os vários tribunais – como as pessoas e, em particular, os ministros da Suprema Corte. De Pedro Lessa e Carlos Maximiliano até Orozimbo Nonato e Aliomar Baleeiro, de Nelson Hungria a Vitor Nunes Leal, criou-se uma tradição judiciária que pode servir de exemplo aos outros povos. Sempre esteve presente, nos tribunais brasileiros, a preocupação em garantir os direitos individuais, criando e utilizando os argumentos adequados para que os textos constitucionais não fossem meramente programáticos. Coube ao nosso Judiciário consagrar a chamada “doutrina brasileira do habeas-corpus”, concebida por Rui Barbosa para impedir os atos arbitrários do poder público. Numa sociedade em desenvolvimento, foi possível manter, em suas linhas gerais, o Estado de Direito nos momentos mais difíceis da vida nacional. Basta lembrar a posição liberal e construtiva da Suprema Corte durante o regime militar. Diante de circunstâncias, que não tinham ocorrido no passado, não hesitou o Supremo Tribunal Federal em conceder a medida liminar em habeas-corpus que o direito desconhecia, mas a adequada defesa da liberdade individual exigia naquele momento. Também em relação à intervenção do Estado e ao respeito às normas constitucionais, não admitiu que matérias que não fossem urgentes, nem referentes à segurança nacional, pudessem ser decididas por decreto-lei. A construção jurisprudencial deu novas dimensões à responsabilidade civil, entendendo que devia ser sempre ressarcido o prejuízo causado e, para tanto, consagrando, em termos construtivos, a responsabilidade do patrão pelos atos culposos dos seus empregados. No mesmo sentido, garantiu a correção monetária das indenizações oriundas de atos ilícitos ou desapropriações. Na defesa dos direitos individuais e sociais, os tribunais deram aos textos constitucionais a maior amplitude possível. Assim, consideraram que a garantia ao devido processo legal e o princípio da legalidade deveriam abranger todas as medidas necessárias para que houvesse, no País, não só a segurança jurídica, mas respeito à confiança depositada no poder público. Por longo tempo, os tribunais se limitaram a exercer a função, já muito relevante, de distribuir a justiça, de acordo com a legislação vigente, sem que houvesse uma maior preocupação quanto à rapidez e eficiência das decisões proferidas. Já há meio século, todavia, um primeiro esforço foi realizado por ocasião dos estudos do Supremo Tribunal Federal para a reforma do Poder Judiciário, dos quais foi relator o ministro Rodrigues de Alckmin. Na mesma ocasião, o ministro Vitor Nunes Leal propôs a implantação do sistema das súmulas para dar maior velocidade e uniformidade aos julgamentos. Mais recentemente, nos dez últimos anos, houve um esforço ainda mais produtivo do Judiciário para acelerar os julgamentos mediante uma reforma processual e uma modificação da organização da Justiça. Inicialmente, foram elaboradas e aprovadas leis mais modernas e completas a respeito do controle da constitucionalidade, tal como a da argüição de descumprimento de preceito fundamental, assim como normas mais adequadas em relação à ação civil pública e às ações de improbidade. Finalmente, a partir da Emenda Constitucional nº 45, consolidou-se um movimento para dar às decisões judiciais a necessária eficiência, numa sociedade na qual o tempo dos tribunais não pode ser descasado do ritmo dos negócios e das necessidades coletivas e individuais. Aproximou-se, cada vez mais, o Judiciário da sociedade civil, para garantir os julgamentos em prazos razoáveis. Compreendeu-se que, sendo o século 21 caracterizado pela velocidade, pela mudança e pela urgência de soluções, os magistrados deveriam conciliar as duas visões tradicionais com os imperativos do mundo no qual passamos a viver. Em virtude do acesso de um maior número de cidadãos ao Judiciário, estamos, atualmente, com cerca de 50 milhões de processos em curso para serem julgados por 13 mil juízes. Cabia, pois, rever o sistema e o Judiciário mobilizou tanto o Executivo quanto o Legislativo para encontrar soluções válidas. Assim, ao lado dos juizados de pequenas causas, a mediação e a arbitragem passaram a ser prestigiadas como modalidades complementares de solução de conflitos. A recente legislação referente à súmula vinculante e à repercussão geral e a conseqüente mudança do regimento interno do Supremo Tribunal Federal vão garantir não só a aceleração dos julgamentos, mas também a uniformidade de jurisprudência em todo o País. As parcerias do Judiciário com a sociedade civil estão permitindo a implantação, nos vários tribunais, de um sistema de mediação que vai liberar os juízes de uma parte substancial de seu trabalho. Pequenas modificações na organização, de um lado, e a informatização, de outro, estão dando ao Judiciário uma nova dimensão, permitindo que exerça as suas funções em tempo razoável e consolide uma jurisprudência coerente. Já se disse que boas leis constituem o melhor presente que se pode dar a um povo. Ainda é preciso que sejam bem aplicadas e em tempo útil. É o que o Judiciário está tentando fazer com êxito.
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo Arnoldo Wald é professor catedrático da UERJ e membro da Corte Internacional de Arbitragem. Ives Gandra Martins é professor emérito das Universidades Mackenzie, UniFMU, Unifieo e Paulista e presidente do Centro de Extensão Universitária (CEU).
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