Calote aos precatórios é exemplo de submissão do Judiciário e do Legislativo ao Poder Executivo

Um artigo publicado no jornal DCI traz a reflexão sobre os Três Poderes. De acordo com o autor, Édison Freitas de Siqueira, “só haverá um governo a serviço do povo se o Poder Executivo não mandar no Poder Judiciário e no Poder Legislativo, deixando estes exercerem suas obrigações exclusivamente subordinados às diretrizes estabelecidas na Constituição Federal”. Siqueira cita o episódio em que o Superior Tribunal de Justiça decidiu continuar ajudando o Poder Executivo a dar o calote nos credores de precatórios. Leia a íntegra do artigo.

DCI – 27/09/2010

Independência ou morte da Justiça

Édison Freitas de Siqueira

O Poder Judiciário tem orçamento próprio para fazer aplicar a lei, não sendo subordinado aos interesses do Executivo

Parece muito estranho precisar lembrar os desafortunados cidadãos brasileiros de que só existirá democracia quando houver um Estado de Direito baseado na convivência soberana e independente dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo. Ou seja, só haverá um governo a serviço do povo se o Poder Executivo não mandar no Poder Judiciário e no Poder Legislativo, deixando estes exercerem suas obrigações exclusivamente subordinados às diretrizes estabelecidas na Constituição Federal. Mesmo assim, repetirei estas palavras ao nosso povo até que deixe de ser surdo e desinformado.

Portanto, quando ocorrerem circunstâncias, atos e fatos iguais aos noticiados nestes últimos 45 dias, onde se comprova que o “Poder” Judiciário, por suas próprias palavras, e o “Poder” Legislativo, por sua total omissão, estão se postando como órgãos subordinados aos interesses e políticas do Poder Executivo, é indispensável atacar esta nova espécie – muito latina – de ditadura disfarçada.

Vamos examinar três exemplos:

(1) Agosto/2010 – TSE : o ministro presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ricardo Lewandowski, declarou que, visando a proteger os sagrados candidatos ao cargo/função máxima do Poder Executivo, está guardando em seus arquivos pessoais dados sobre a vida pregressa dos candidatos, ao menos quanto a Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva. Disse ele que o objetivo do “cuidado especial” é evitar que essas informações, boas ou más, sejam utilizadas para prejudicar os candidatos. Afinal, o Exmo. Dr. Lewandowski pode ter expressado o inadequado sentimento comum de que, muito brevemente, um destes possa vir a ser uma espécie de “chefe” da nação brasileira, tal qual ocorreu recentemente na Bolívia, na Venezuela, ou, há mais de 55 anos, em Cuba! Assim, …”O povo que se dane!”

(2) Setembro/2010 – STJ: o Superior Tribunal de Justiça (STJ) , por decisão de sua 1ª Turma, atendendo os interesses do Poder Executivo (na esfera de União, estados e municípios), decidiu que vai continuar ajudando para que ele deixe de pagar precatórios e dívidas judiciais em favor dos cidadãos e de empresas brasileiras. E mais: também anunciou que, em face da demora do trâmite destes processos dentro do próprio Judiciário, assegurará o deságio destes precatórios, principalmente para desvalorizá-los quando forem oferecidos à penhora ou em compensações com dívidas que o credor do Poder Executivo tenha contra a entidade da qual passou a ser credora. Ou seja, o Poder Judiciário assume o papel de ser um Poder que não consegue fazer com que outro Poder cumpra suas obrigações legais quanto ao pagamento de dívidas oriundas de sentenças e precatórios judiciais que condenam a União, os estados e os municípios. E pior, chancela sua ineficiência institucional quando assegura que estes créditos (precatórios) devem sofrer deságio, pois são créditos que o Poder Judiciário não tem “poder” de fazer com que sejam pagos por serem contra o “superpoderoso” Poder Executivo.

(3) Setembro/2010 – CNJ: para vergonha do Poder Judiciário, o Ministro Cezar Peluso, presidente do Conselho Nacional de Justiça, apresentou, há duas semanas (14/9), relatório intitulado “Justiça em Números 2009 – Indicadores do Poder Judiciário”, declarando que devolveu ao Poder Executivo R$ 19,3 bilhões, oriundos dos valores pagos nas execuções fiscais ajuizadas perante os tribunais, contra os contribuintes com dívida para com a União.

Esta postura é institucionalmente inadequada. Primeiro, porque o Poder Judiciário tem orçamento próprio para fazer aplicar a lei, não sendo subordinado aos interesses do Poder Executivo, razão pela qual não deve devolver nada a ele. Segundo, porque isto coloca sob suspeição todas as decisões do Poder Judiciário que, a partir da declaração do presidente do CNJ, verifica-se ser mais um órgão de cobrança do que de proteção do Estado de Direito, devendo prestar contas ao Poder Executivo quanto ao ideal cumprimento de suas funções. Inclusive, parece estar aí a razão por que o Poder Judiciário, dizendo aplicar correção monetária, tem cobrado dos contribuintes sobre impostos atrasados a famigerada Taxa Selic, não obstante esta seja, percentualmente falando, uma dezena de vezes maior do que a inflação. Esta distorção deveria tornar ilegal a aplicação da taxa Selic para corrigir dívidas, já que, ao final desta “jogada”, o Poder Executivo enriquece indevidamente pela majoração das alíquotas dos impostos, sem lei que assim preveja. Ou o Estado cobra impostos atualizados pela correção monetária, ou tem ganhos financeiros contra seus contribuintes. Entretanto, todos sabemos que ganho financeiro não é previsto na Constituição como uma das formas de receita da União. Se isto ocorre, deve ser visto como uma espécie de agrado inconstitucional do Poder Judiciário ao Poder Executivo. Terceiro, porque, com a declaração oficial do presidente do CNJ, fica comprovado que o Poder Judiciário se sente e está totalmente subordinado aos interesses do Executivo, mesmo que indiretamente. Fosse o contrário, ao ter anunciado o sucesso de Execuções Fiscais, o presidente do CNJ também deveria informar sua total incompetência em fazer os órgãos do Poder Executivo pagar os bilhões de reais em Precatórios Judiciais vencidos há mais de uma década, depois de terem sido objeto de demandas que tramitaram há mais de 15 anos, via de regra. Centenas de milhares de precatórios e milhões de ações nem sequer são citadas no relatório, que mais pareceu uma prestação de contas feitas a um chefe, que não ao povo e a empresas brasileiras.

As evidências da destruição do Estado Democrático de Direito são tantas que é preciso parar de elencá-las. De outra forma, ainda antes do final do texto, para que eu não esqueça ou sofra os efeitos da lavagem cerebral a que todos os brasileiros são submetidos diariamente, serei obrigado a lembrar a mim próprio de que o Estado de Direito é e deveria ser constituído de três Poderes, soberanos e independentes um do outro, não das coisas, fatos e atos que vemos diariamente em nossas manipuladas vidas.

Poder Judiciário tem orçamento próprio, não é subordinado aos interesses do Executivo.

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