O paradoxo da revisão geral anual dos servidores públicos

O paradoxo da revisão geral anual dos servidores públicos

A revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos é um direito garantido pela Constituição Federal. No entanto, há anos o Governo do Estado de São Paulo se omite de regulamentar a revisão geral anual, o que motivou servidores públicos a requererem, através do Poder Judiciário, uma indenização pelos anos de perdas decorrentes da inflação. Já em 10/9 deste ano, o STF decidiu que a falta de regulamentação por parte do Poder Executivo não geraria indenização a esses servidores. Tal decisão, porém, contraria a jurisprudência da própria Corte. É o que explica o advogado Victor Sandoval Mattar, sócio da Advocacia Sandoval Filho, no artigo a seguir. Leia mais.


O paradoxo da revisão geral anual dos servidores públicos

 

No dia 10/09/2021, o Supremo Tribunal Federal encerrou o julgamento do tema nº 19 de Repercussão Geral, que versava sobre o direito dos servidores públicos do Estado de São Paulo a indenização pelos danos patrimoniais sofridos em razão da omissão do Poder Executivo Estadual em regulamentar a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos.

No caso, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidiram que, “O não encaminhamento de projeto de lei de revisão anual dos vencimentos dos servidores públicos, previsto no inciso X do art. 37 da CF/1988, não gera direito subjetivo a indenização. Deve o Poder Executivo, no entanto, pronunciar-se de forma fundamentada acerca das razões pelas quais não propôs a revisão”.

Não nos parece assistir razão à tese que implicou na ineficácia do artigo 37, inciso X, da Lei Maior. Ao assim decidir, o Tribunal Constitucional deixou de dar cumprimento à sua função precípua: dar plena efetividade ao texto constitucional e zelar para que o principal documento normativo do Estado não seja esvaziado por conduta omissiva dos agentes públicos, em especial dos agentes políticos, como é o caso dos ocupantes dos Poderes Executivo e Legislativo.

Conforme ressaltado pelo Ministro Celso de Mello no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade nº 1.458-7/DF, há de buscar-se a concretude, a eficácia maior, dos ditames constitucionais. Com muita propriedade lecionou:

“A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.

(…)

É preciso proclamar que as Constituições consubstanciam ordens normativas cuja eficácia, autoridade e valor não podem ser afetados ou inibidos pela voluntária inação ou por ação insuficiente das instituições estatais. Não se pode tolerar que os órgãos do Poder Público, descumprindo, por inércia e omissão, o dever de emanação normativa que lhes foi imposto, infrinjam, com esse comportamento negativo, a própria autoridade da Constituição e efetuem, em conseqüência, o conteúdo eficacial dos preceitos que compõem a estrutura normativa da Lei Maior.”.

Com base nesse entendimento, a interpretação dada ao inciso X, do art. 37, da Constituição Federal, deveria ter sido no sentido de assegurar o direito subjetivo dos servidores públicos paulistas à revisão geral anual da remuneração.

O Supremo quis fazer crer que os servidores públicos paulistas estavam a pleitear um aumento remuneratório pela via judicial. Entretanto, o pleito era distinto. Não se tratava de fixação ou aumento de remuneração – estes, sim, a depender de lei, na dicção do inciso X do artigo 37 da Carta da República, mas de reajuste voltado a afastar os nefastos efeitos da inflação. Objetivava-se a necessária manutenção do poder aquisitivo da remuneração.

Contrariando a própria jurisprudência, o Supremo já havia assentado que “a correção monetária não se constitui em um plus, não é uma penalidade, mas mera reposição do valor real da moeda corroída pela inflação” – agravo regimental na ação cível originária nº 404, da relatoria do ministro Maurício Corrêa.

No mesmo sentido, a decisão do Ministro Luiz Fux no recurso especial nº 1.112.524/DF, à época no Superior Tribunal de Justiça: “A correção monetária plena é mecanismo mediante o qual se empreende a recomposição da efetiva desvalorização da moeda, com o escopo de se preservar o poder aquisitivo original, sendo certo que independe de pedido expresso da parte interessada, não constituindo um plus que se acrescenta ao crédito, mas um minus que se evita”.

Isto porque, correção monetária não é acréscimo, não é ganho, é mera reposição com o escopo de preservar o valor. Surge a percepção de ser uma necessidade para manter o objeto da relação jurídica, e não vantagem àquele que pretende obtê-la.

Paradoxalmente, com a garantia constitucional de revisão geral anual da remuneração e subsídios dos servidores públicos, se consagrou uma perversa opção política para reduzi-los por simples omissão, quando e no quanto fosse desejável à Administração, bastando, para tanto, que os Chefes do Poder Executivo se abstivessem de enviar mensagem de reajustamento ao Legislativo para a correção das perdas inflacionárias da moeda.

Victor Sandoval Mattar
OAB/SP – 300.022

 

(Imagem: utah778/iStock.com)

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