OAB-SP e MADECA entram com representação junto ao TCE

São Paulo, 16 de setembro de 2003.

EXMO SR.DR. CLÁUDIO FERRAZ DE ALVARENGA, M.D. DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO DIGNÍSSIMO RELATOR DAS CONTAS DO GOVERNO ESTADUAL NO EXERCÍCIO 2003.

“Palavras não pagam dívidas.” (“Words pay no debts”, Shakespeare, Trólio e Cressida, Ato III)

Eminente Conselheiro. A Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo e o Movimento dos Advogados em Defesa dos Credores Alimentares do Poder Público – MADECA – dirigem-se, por meio do presente ofício, a V.Exa., para relatar graves fatos e circunstâncias referentes ao atendimento de precatórios de natureza alimentar por parte do Estado de São Paulo. Como é público e notório os precatórios alimentares devidos pelo Estado encontram-se numa situação assaz desoladora. Não foram, ainda, pagos os precatórios alimentares de 1998, 1999, 2000, 2001 e 2002. São (cinco), portanto, os orçamentos pendentes e em breve outro __ o de 2003 __ vencer-se-á. Restam, demais disso, pendentes de pagamento os saldos de centenas de precatórios de 1995, bem como de todos aqueles constantes dos orçamentos de 1996 e 1997. No início do corrente ano de 2003, foi publicamente alardeado pelo Governo do Estado que a sua intenção era a de quitar, neste ano, os saldos pendentes dos precatórios alimentares de 1995, 1996 e 1997. Isso possibilitaria que no ano vindouro iniciassem-se os pagamentos dos precatórios de 1998. Lamentavelmente, já se vislumbrando os estertores do ano de 2003, a atuação do Estado de São Paulo, no trato daquela questão, vem se revelando pífia. Até o presente momento, foram pagos apenas uma parte dos saldos dos precatórios alimentares de 1995 (até o número de ordem 586 __ dispêndio de cerca de 9 milhões) e no primeiro semestre foram também adimplidos os precatórios de pequeno valor (Lei estadual n. 11.377/03), o que redundou num gasto aproximado de apenas 8,8 milhões. Em data recente, chegou ao conhecimento da OAB/SP e da MADECA informação prestada pela Procuradoria Geral do Estado que detalha, com toda a precisão, o que foi pago, no ano de 2003, de precatório alimentar e de que fontes valeu-se o Estado para fazer tais pagamentos. Antes, porém, de transmitir a V.Exa. tais dados, impende apenas um esclarecimento fundamental. No ano passado foi promulgada a Lei federal n. 10.482/02 (alcunhada “Lei Madeira”), que permitiu fossem extraídos de certos saldos disponíveis de depósitos judiciais de natureza tributária recursos para o pagamento de precatórios alimentares. Tal diploma legal restou regulamentado, em nível estadual, pelo Decreto n. 46.933/02. Evidentemente a criação de um tal de sistema excepcional plasmou-se com o intuito de se propiciar uma agilização no atendimento de precatórios alimentares, permitindo que as Entidades Devedoras junto com o desembolso de verbas próprias valessem-se dessa propulsão financeira acessória. Pois bem, em resposta a ofício enviado pela MADECA, a Procuradoria Geral do Estado apresentou planilha que detalha o quadro de pagamentos de precatórios alimentares de julho de 2002 até julho de 2003. Por meio de tal demonstrativo (cf. cópia ora junta), extraem-se os seguintes e curiosos dados: a) no corrente ano, houve um dispêndio de R$43.691.093,91 com o pagamento de precatório alimentares; b) desse valor, R$41.602.470,55 (cerca de 96% do total) foram extraídos de fundos de depósitos judiciais (“Lei Madeira”); c) como conclusão, o Estado utilizou, de verbas orçamentárias, apenas R$2.088.623,36. A planilha fornecida pela Procuradoria Geral do Estado retrata a situação até o mês de julho de 2003. Sabe-se, porém, que a situação básica lá retratada resta basicamente inalterada até a presente data, tendo havido uma única mudança: o Estado, valendo-se dos recursos dos depósitos judiciais, disponibilizou pouco mais de 3 milhões em agosto p.p.; pagando algumas dezenas de precatórios alimentares de 1995 (saldos). A análise dos citados dados revela, com lapidar clareza que o Estado, no corrente ano de 2003, para pagar precatórios alimentares vem se valendo quase que exclusivamente dos recursos não-orçamentários para adimplir precatórios alimentares. De verbas orçamentárias, como dito, nestes quase 9 (nove) meses de 2003, foram despendidos pouco mais de 2 milhões. Dando-se continuidade a essa inconcebível política, restará claramente vulnerada a Lei Orçamentária, pois as verbas nela prevista para o pagamento de precatórios (inclusive, por óbvio, os alimentares, que, pelos termos do artigo 100, da CF, gozam de preferência de ordem sobre os demais) não estão sendo utilizadas. Causa ademais profunda espécie às Entidades subscritoras deste ofício a conduta do Poder Público estadual no plano financeiro, pois a Lei n. 10.482/02 não veio a lume para liberá-lo de fazer a adimplência de suas obrigações judiciais alimentares sem a utilização de verbas orçamentárias, mercê da quase exclusiva utilização de certos fundos formados por depósitos judiciais. Decerto, a mens legis, do dispositivo em foco foi a de possibilitar um avanço, jamais um retrocesso, tal qual o noticiado, o qual, aliás, importa em clara ofensa ao artigo 100, da Constituição Federal. Convém ainda esclarecer que os décimos dos precatórios não-alimentares vêm sendo honrados. Pagaram-se 2/10 dos precatórios não-alimentares (1/10 em 2001; 1/10 em 2002) e, em breve, segundo informações, o terceiro décimo estará sendo depositado. Ou seja: um credor não-alimentar, titular, verbi gratia, de um precatório inserto no orçamento de 2000, terá, ao término de 2003, 3/10 de seu crédito global pago, enquanto um credor alimentar com precatório de 1998 não aferiu ainda (e decerto não logrará auferir neste ano) qualquer fração de seu crédito. É evidente a completa distorção jurídico-constitucional que emerge da injustificável letargia do Poder Público. Hoje, em decorrência do descaso que se tem para com as obrigações judiciais de índole alimentar, seus titulares vêem-se num plano inferior aos credores não-alimentares, cabendo o registro de que a não-inclusão dos precatórios alimentares na moratória criada pela EC n. 30/2000 operou-se para evitar clara inconstitucionalidade (Como se conceder moratória para o Poder Público pagar obrigações voltadas à subsistência dos seus titulares?). Em que pese a opção do Poder Constituinte derivado de prestigiar os precatórios alimentares, tal como previsto no Texto Maximo de 1988, mantendo-os fora da moratória, a lamentável __ e impune __ morosidade do Poder Público os coloca hoje numa situação inusitada, verdadeiramente inaceitável sob o ângulo Constitucional e do Direito Financeiro. Há que se salientar ainda que as costumeiras desculpas brandidas pelo Governo estadual de que a arrecadação caiu e de que estão sendo envidados esforços enormes para o pagamento dos precatórios a ninguém mais convence a esta altura. Tal arenga – ano após ano repetida – não se sustenta quando se fita serenamente a realidade. Pegue-se como exemplo o atual exercício de 2003. O Estado utilizou uma quirela de verbas orçamentárias para pagar precatórios alimentares. O valor grafado na Lei Orçamentária – em si insuficiente para o atendimento de precatórios alimentares e não – alimentares num certo patamar de razoabilidade – é de R$427 milhões (código 02.846.000.4461). Ora, os pouco mais de 2 milhões despendidos – após transcorridos quase ¾ do ano – representam cerca de 0,50% (meio por cento) daquele valor. Em se pressupondo uma divisão em partes iguais daquele valor para cada uma das modalidades de credores (cerca de R$213 milhões para o pagamento de precatórios alimentares), os dispêndios em prol do pagamento de tais dívidas saltariam para 1% (um por cento) do valor orçamentário previsto (valor ainda risível). Difícil conceber e juridicamente aceitar postura financeira deste jaez. Não se desconhece que a economia passou por uma situação de turbulência nestes 8 (oito) primeiros meses do ano; só agora parece tender a retomar níveis anteriores de crescimento. Entretanto, queda de receita não equivale à inexistência de receita. Se, por exemplo, verificou-se um decréscimo de entradas de 20% (vinte por cento) na arrecadação, quando muito se poderia cogitar uma redução proporcional no pagamento de precatórios. Mas não é a isso que se tem assistido. Parece que a propalada escassez de verbas estão atingindo em cheio – e quase que somente – os credores alimentares de precatórios (os não-alimentares, hoje, são mais temidos por disporem da possibilidade de recorrerem ao seqüestro de rendas – art. 87, do ADCT, da CF). Pelo que se sabe, os pagamentos a fornecedores, a empreiteiros, aos agentes que financiam a dívida pública prosseguem sendo feitos. Os gastos com publicidade – estes numa época de crise que o Governo diz estar, em si, questionáveis – prosseguem sendo feitos, com regularidade, divulgando-se diariamente em horário nobre, na televisão, a entrega de casas, a construção e reforma de estradas, etc… Difícil conceber, Exa., como poderão, tecnicamente, ser aprovadas as contas do Estado de São Paulo no atual exercício de 2003 se até o final do ano o dispêndio com os precatórios alimentares, mercê do uso de verbas orçamentárias, ficar em pouco mais de R$2 milhões (valor desembolsado em maio de 2003 – cf. planilha ora junta). Nos anos anteriores, valor muito mais expressivo foi despendido com o pagamento de tais requisições (pela média dos pagamentos, cogita-se que foram depositados cerca de R$ 150 milhões, por ano, exclusivamente em favor dos credores alimentares). Não seria crível, certamente, a alegação de força maior (in casu queda da arrecadação) para justificar tamanho decréscimo no pagamento dos precatórios alimentares. E dizer: acredita-se que a receita do Estado, embora tenha sofrido uma queda, não tenha declinado 98% (noventa e oito por cento)! Lamentavelmente, em que pesam todas as advertências e ressalvas pretéritas consignadas por esse egrégio Tribunal de Contas, no atinente ao pagamento dos precatórios, o Governo do Estado (os documentos anexos comprovam cristalinamente o que se diz) prossegue lidando com a Lei Orçamentária como uma peça ficcional, nela fazendo consignar uma realidade de débitos judiciais distinta da real e o que é pior: nem o que nela insiste em prever acaba por cumprir. A vulneração à Lei de Responsabilidade Fiscal – após a qual o orçamento passa a ser, inquestionavelmente, vinculante – revelar-se-á clara se se chegar ao final do ano sem considerável avanço no pagamento de precatórios alimentares com recursos públicos. Por todo o exposto, a Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo e o Movimento dos Advogados em Defesa dos Credores Alimentares do Poder Público – MADECA rogam a V.Exa.que, na qualidade de Relator das contas do Governo Estado acompanha a execução orçamentária durante este exercício, em face da gravidade do que aqui se colocou e dos documentos que comprovam, claramente, todos os relatos feitos, e à vista do disposto no artigo 59, parágrafo 1o, V, da Lei n. 101/00, alerte a Administração Pública estadual para as graves conseqüências jurídicas que lhe poderão recair, em não retificando seu proceder, no que pertine ao pagamento dos precatórios alimentares, até o final do ano de 2003. Caso o Poder Público estadual, embora admoestado por esse egrégio Tribunal de Contas, mantenha sua postura atual, não disponibilizando recursos próprios orçamentários para o pagamento das aludidas obrigações judiciais, pedem vênia as Entidades subscritoras do presente ofício __ atentas ao artigo 100, da Constituição da República e à Lei de Responsabilidade __ para pugnar pela prolação de parecer que rejeite as contas estaduais relativas ao exercício em curso, pelos motivos narrados, sem prejuízo de outros eventualmente existentes. Sendo o que competia às Entidades requerentes expor, aproveitam a oportunidade para renovar protestos de altíssima estima e elevada consideração.

CARLOS MIGUEL AIDAR Presidente – OAB/SP FELIPPO SCOLARI NETO Presidente – MADECA

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