Prioridade não é obedecida e credora morre na fila

Cinira Neusa Bovo Cecagno tinha 68 anos e era professora aposentada. Após uma vida dedicada ao serviço público, Cinira costumava ficar em casa, em Rio Claro, no interior de São Paulo, com o marido e as duas netas. Tinha como hobby o artesanato, para o qual não tinha tempo quando lecionava. Sempre muito positiva e cheia de vontade de viver, Cinira Neusa descobriu, no início de 2010, que era portadora de um câncer. Diante da nova realidade, a servidora pública não se abalou, fez uma cirurgia e acreditava que tudo daria certo. Cinira era credora de um precatório alimentar que deveria ter sido pago em 2004. Ao saber da doença, em 17 de maio de 2010 requereu ao Presidente do Tribunal de Justiça, autoridade responsável pelo pagamento dos precatórios, a prioridade no recebimento de seu crédito. Em 24 de setembro de 2010, no entanto, Cinira não aguentou e faleceu sem ver a cor do dinheiro que o Estado de São Paulo lhe devia. Conheça a história de Cinira Neusa Bovo Cecagno.

A filha de Cinira, Márcia Cristina Bovo Cecagno, conta que a família estava reformando a casa e que a mãe pensava em usar o dinheiro do precatório para decorar a casa nova. “Depois que descobrimos a doença, talvez os planos fossem alterados”, lembra a filha. “Provável que optaríamos por tentar algum outro tipo de tratamento”. Mas Cinira não teve a oportunidade de aplicar o dinheiro do precatório nem no tratamento do câncer e nem na decoração da casa.

“Sinto-me indignada!”, desabafa Márcia. “Minha mãe não teve a chance de aproveitar o dinheiro que era dela por direito”. A filha acredita que aqueles que enfrentam a mesma situação de Cinira devem lutar pelos seus direitos. “O que o governo faz é um desrespeito com o ser humano. O precatório é uma dívida já assumida, então precisa ser paga”.

Questões jurídicas

O pedido de prioridade para credores de precatórios alimentares maiores de 60 anos e portadores de doença grave foi estabelecido pela Emenda Constitucional nº 62, aprovada em 2009. O Conselho Nacional de Justiça, ao interpretar os dispositivos contidos na EC 62, aprovou a Resolução nº 115/10, que determina seja conferida prioridade absoluta ao credor portador de doença grave. “Isso quer dizer que uma pessoa que tem um precatório de 2009 e comprova ser portadora de doença grave mediante apresentação de laudo médico, RG e CPF, teria que entrar lá na ponta da fila, inclusive na frente dos maiores de 60 anos”, explica o advogado Messias Falleiros, sócio da Advocacia Sandoval Filho, especializada na defesa do servidor público.

Esta prioridade absoluta, no entanto, não vem sendo respeitada pelo Presidente do Tribunal de São Paulo. “Até hoje nenhum portador de doença grave foi pago”, conta Messias Falleiros.

Com a alteração da sistemática de pagamento de precatórios, ocasionada pela Emenda Constitucional nº 62, o Estado de São Paulo passou a ser obrigado a depositar mensalmente o valor correspondente a 1/12 de 1,5% da receita corrente líquida do Estado em conta vinculada ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado.

De fato, desde janeiro de 2009, o Governo Paulista destina mensalmente cerca de R$ 110 milhões de reais para pagamento dos credores de precatórios.

Contudo, apesar de deter aproximadamente R$ 1,5 bilhões de reais, a Presidência do Tribunal de Justiça alega falta de funcionários e de estrutura para realizar a distribuição deste numerário aos credores.

De acordo com o advogado, apesar de poder ser responsabilizado por retardar injustificadamente o repasse da quantia devida aos credores, não se vislumbra possibilidade de melhora do atual cenário. “Ora, a competência para efetuar o pagamento foi atribuída ao Presidente do Tribunal em janeiro de 2009. Portanto, não se justifica tamanho atraso na resolução da questão. O dinheiro agora existe, está disponível, mas por pura incompetência não pode ser repassado ao credor”.

“Infelizmente, nem mesmo os pedidos de preferência feitos em favor dos portadores de doença grave estão sendo atendidos” – lamenta o advogado.

“É uma situação inaceitável, uma vez que o portador de doença grave necessita com urgência do dinheiro para custear seu tratamento médico”.

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