Credor alimentar espera pagamento há 12 anos. Fila causa indignação

Indignação. Este é o sentimento de milhares de credores alimentares diante do descaso do Estado de São Paulo em relação à dívida que acumula com precatórios. No final do ano passado, o Estado destinou R$ 50 milhões ao pagamento de precatórios alimentares – aqueles decorrentes de dívidas judiciais do governo com o servidor público, geralmente por diferença salarial. Já os precatórios não alimentares receberam 1,3 bilhão de reais, o que corresponde a 26 vezes o valor pago aos alimentares, ou mais de 96% do total. Com isso, o governo paulista não conseguiu sequer quitar a dívida de 1998 dos precatórios de natureza alimentar. Isso significa que credores já aguardam há 12 anos na fila para receber o que lhes é de direito. A demora, por parte do governo, para efetuar o pagamento dos precatórios e honrar suas dívidas é algo que revolta credores e pessoas que acompanham essa causa. “Ficamos indignados ao ver que a Justiça não recebe o respeito que merece”, diz o projetista e designer José Augusto Braga, herdeiro de precatório que vive em São Carlos, interior de SP. Já a professora aposentada Ivette Gomes Moreira, de Cotia, na Grande São Paulo, sustenta que “o Brasil é um país onde a justiça é extremamente falha e onde os ricos e poderosos fazem o que querem”. Enio Luiz Magosso, agente fiscal aposentado de Salto Grande, interior paulista, demonstra o mesmo inconformismo. “Um deputado ou senador foi eleito com meu voto para me representar e me defender”, afirma. “Como pode votar ou simplesmente concordar com a aprovação dessa PEC caloteira?”, declara referindo-se à Emenda Constitucional n°62, que alterou as regras para o pagamento de precatórios.

Para o advogado Renato Marão, representante da Advocacia Sandoval Filho, especializada na defesa do servidor público, “o governo opta por pagar os precatórios não alimentares, que beneficiam um pequeno grupo de credores que tem indenizações milionárias a receber”. O especialista afirma que o credor alimentar, em sua maioria idoso, muitas vezes aguarda e conta com esse dinheiro para comprar remédios e outros elementos básicos, mas “acaba sendo deixado de lado pelo Estado”.

A demora, por parte do governo, para efetuar o pagamento dos precatórios e honrar suas dívidas é algo que gera indignação nos credores e de quem acompanha essa causa. Desde 1999, a professora aposentada Ivette Gomes Moreira, de 71 anos, é credora de um precatório alimentar. Ivette mora em Cotia, na Grande São Paulo e não se conforma com a situação. As pessoas para quem o Estado deve são ou foram funcionários do próprio Estado que não receberam, na época, aquilo que lhes era de direito. “O governo já não cumpriu, num primeiro momento, a sua parte e nos obrigou a recorrer à Justiça para receber”, critica Ivette Gomes Moreira. “E depois que a ação é ganha, ele ainda demora mais de dez anos para nos pagar. Tempo que muitos de nós não tem para esperar”, completa lembrando daqueles que já faleceram na famigerada fila dos precatórios. Após tanto tempo de espera, Ivette não tem confiança para pedir ajuda. “A última instância é a Justiça e ela não faz a parte dela, não obriga a cumprir o que ela própria determinou. Então, para onde podemos recorrer?”. Sem esperanças, ela teme deixar o precatório como herança para seu marido e os três filhos.

E foi exatamente isso que aconteceu com Nadir Pereira, mãe de Katia Leal. Nadir, assim como Ivette, foi professora da rede estadual de ensino e credora de precatório alimentar de 1998. Ela, no entanto, morreu sem receber o que lhe era de direito. A filha, Katia Leal, de 53 anos, herdou o precatório e, depois de dez anos de espera, viu seu nome na fila dos beneficiados com o último pagamento do governo do Estado de São Paulo – realizado em 28 de dezembro de 2009. Apesar de ter gostado da notícia, Katia acredita que a situação poderia ser bem melhor. “Justo seria se a minha mãe tivesse recebido em vida, porque o trabalho foi dela”, afirma a herdeira que mora em Lorena, no Vale do Paraíba.

José Augusto Braga, projetista e designer, de 55 anos, passa por uma situação um pouco diferente, mas tem o mesmo sentimento. “Não se trata de desabafo, mas de indignação. Como poderemos lidar com Justiça, enquanto o governo nos desrespeita, principalmente àqueles que dedicaram uma vida toda ao bem de um país?”, declara o autônomo. José Augusto vive em São Carlos, no interior. É herdeiro do precatório do pai, que dedicou 38 anos de sua vida à educação de crianças e jovens e faleceu sem poder desfrutar do direito que havia adquirido. A mãe de José Augusto está hoje com 87 anos e também é credora de precatório. “Provavelmente também morrerá sem ver a cor do dinheiro”, lamenta o filho.

A exemplo de vários outros, Enio Luiz Magosso, de 69 anos, se sente revoltado com tudo isso e acredita que a responsabilidade é do Poder Legislativo. “Como um deputado ou senador que foi eleito com meu voto para representar-me e defender-me, pode votar ou simplesmente concordar com a aprovação dessa PEC caloteira?”, questiona o agente fiscal aposentado se referindo à PEC dos Precatórios, ou PEC do Calote, como foi apelidada pela Ordem dos Advogados do Brasil – hoje Emenda Constitucional n° 62. “No desempenho de suas funções, logo após a votação e promulgação desta proposta, os políticos vencidos teriam de bater às portas do Poder Judiciário e tomar providências para que a mesma fosse declarada inconstitucional, como fez a OAB”, completa. Enio vive em Salto Grande, no interior de São Paulo, e é credor de um precatório de 1998. Como muitos credores, Enio concorda que o tratamento recebido do governo em relação a uma dívida do próprio governo é bem diferente daquele recebido quando o governo é o devedor. “Estou com uma dívida e sendo executado. Fiz várias propostas de negociação e nenhuma foi aceita. Agora, quando a dívida é deles (governo), eles apenas aprovam essa PEC e nós temos de aceitar”.

Estima-se que a dívida total do Estado de São Paulo com precatórios alimentares é de cerca de R$ 14 bilhões. Com o último pagamento realizado, pouco mais de 1.600 credores foram beneficiados.

{visitas}

Compartilhe
menu
menu